12/05/2025
Para muitas mães, a maternidade pode servir como uma motivação para empreender. A partir de suas próprias experiências, elas identificam lacunas no mercado e desenvolvem produtos e serviços voltados ao universo infantil, de roupas e brinquedos, a móveis e comida.
Segundo a pesquisa "Empreendedores e seus Negócios", do Instituto Rede Mulher Empreendedora (RME), 73,1% das empreendedoras brasileiras têm filhos e, em 68,4% dos casos, a maternidade veio antes do negócio. Para Ana Fontes, fundadora da RME, isso acontece porque este é um momento de gatilho para muitas mulheres.
"Identificamos inúmeras razões, seja porque os ambientes corporativos são ambientes hostis para elas ou porque estão buscando flexibilidade para poder conciliar as questões relacionadas ao cuidado. Além disso, como os custos ficam maiores, muitas precisam aumentar a sua renda", afirma Fontes.
O estudo ouviu 1.810 empreendedoras, principalmente das regiões Sudeste e Nordeste, com predominância de mulheres entre 30 e 49 anos (73,6%). O levantamento foi realizado entre agosto e setembro de 2024.
Para Roseli Lima Bezerra, analista do Sebrae-SP, o mercado tem avançado e acolhido mães empreendedoras, mas esse processo ainda é parcial e desigual. "Para se destacar, a empreendedora deve se posicionar no mercado, ir além do básico e surpreender seus clientes, apresentando uma proposta de valor clara", destaca a especialista.
De acordo com Bezerra, negócios que atuam com foco no universo materno-infantil vêm ganhando espaço e escala, não só pelo apelo emocional, mas por atenderem a uma demanda crescente por segurança, qualidade, acessibilidade e propósito.
Um exemplo é a Muskinha, marca de mobiliário infantil criada a partir de uma necessidade pessoal, que hoje opera com mais de 2,5 mil itens no portfólio e faturou R$ 9 milhões em 2024.
A fundadora Amanda Chatah, 46 anos, teve a ideia em 2016 após sua filha Olívia, com um ano na época, cair do berço. Ela montou o quarto da filha focando em segurança, e o projeto improvisado chamou a atenção de amigos. Em pouco tempo, ela — que trabalhava como produtora de moda e diretora de arte — passou a criar móveis infantis sob demanda.
"Comecei a mostrar o quarto para amigos, que se interessaram, e logo eu estava vendendo para várias pessoas. De repente, eu tinha uma empresa nas mãos. Tudo aconteceu de forma orgânica, a partir de uma necessidade pessoal como mãe", conta.
Chatah, que hoje é mãe de três, vendeu seu carro e investiu cerca de R$ 45 mil para tirar o negócio do papel. Nove anos depois, a marca tem e-commerce, uma loja na Vila Mariana e uma fábrica de 1,5 mil metros quadrados no bairro do Ipiranga, em São Paulo.
Segundo a empreendedora, o design centrado na criança, aliado ao apelo da personalização, virou o diferencial competitivo da Muskinha.
A Amarelo Ipê também surgiu de uma experiência pessoal. Shadya Hamad, de 42 anos, criou a companhia após receber o diagnóstico de autismo do Rafael, de 9 anos.
"Tive muita dificuldade em brincar com meu filho quando ele era pequeno. Na época, a gente ainda não sabia o motivo. Até que, aos 2 anos e 4 meses, recebemos o diagnóstico de autismo", conta Hamad. "A partir disso, mergulhei no universo do desenvolvimento infantil e fomos percebendo muitos avanços por meio do brincar", acrescenta.
A empreendedora fundou seu e-commerce de brinquedos educativos em fevereiro de 2020 com um investimento inicial de R$ 3 mil. Hoje, quatro anos depois, a loja conta com mais de 2 mil itens em seu portfólio e um showroom no bairro do Morumbi (SP). Em 2024, a empreendedora faturou R$ 550 mil.
O mercado infantil vem crescendo no mundo todo. Segundo a consultoria americana Grand View Research, o setor de produtos para bebês foi avaliado em US$ 116,17 bilhões (R$ 656 bilhões na conversão de hoje) em 2024 e deve atingir US$ 154,58 bilhões (R$ 870 bilhões) até 2029. De acordo com o estudo, entre os principais motores do avanço estão o foco em bem-estar infantil, o aumento da participação das mulheres no mercado empreendedor e a digitalização das compras.
Kathleen Moura, 27 anos, conhece bem o potencial do digital. Na última Black Friday, com a marca Cantinho Baby, a empreendedora alcançou o marco de dez mil pedidos em apenas um dia. Mesmo com loja física em Osasco (SP), 95% do faturamento da companhia vêm de vendas pela Shopee.
A marca atingiu R$ 18 milhões em faturamento no ano passado e agora está ampliando sua estrutura, aumentando o mix com itens importados para expandir a margem de lucro. "Estamos crescendo e conquistando nosso primeiro imóvel. Acredito que vamos chegar muito mais longe, quero dar um futuro brilhante para minha filha", diz.
Há ainda uma movimentação no setor de investimentos. Isabella Maluf, ex-consultora da McKinsey, criou a Hestia Ventures durante sua licença-maternidade, em 2022, ao perceber "a escassez de produtos infantis de qualidade no mercado nacional".
"O mercado é dominado por grandes multinacionais que não olham tanto para o Brasil. E eu comecei a questionar o porquê de não termos produtos legais, com expertise e incentivando o desenvolvimento infantil", afirma.
O fundo já aportou R$ 8 milhões em dez empresas dos setores de alimentação, vestuário, brinquedos e bem-estar infantil, com participação societária que varia entre 10% e 40%.
De acordo com a executiva, a maioria das empresas do portfólio são fundadas por mães, embora esse não seja um critério obrigatório. "Busco olhar para empresas que impactam de forma real a vida de uma criança. Sempre analiso histórias e vejo o potencial de crescimento daquela marca", diz. "Fui vendo os furos conforme ia buscando produtos para meu filho e não encontrava", destaca.
Como começar: veja dicas para mães que querem empreender com maternidade
Para quem deseja entrar nesse mercado, Bezerra, do Sebrae, destaca que, apesar dos desafios, é possível começar com estrutura enxuta e crescer de forma sólida. A analista compartilha algumas dicas práticas e estratégicas para mães que querem empreender:
Comece com um planejamento realista, avaliando sua rotina com os filhos e identificando os melhores horários para se dedicar ao negócio;
Estabeleça metas claras e prazos viáveis, sem cobrar perfeição — isso é essencial para manter o equilíbrio entre maternidade e empreendedorismo;
Teste sua ideia em pequena escala antes de investir alto — uma fase piloto ajuda a validar o negócio antes de expandi-lo;
Escolha um negócio que tenha conexão com você, pois isso facilitará sua dedicação e motivação ao longo do tempo;
Observe suas necessidades como mãe, pois elas podem ser uma inspiração para criar um negócio. A vivência da maternidade, por exemplo, traz percepções valiosas que podem se tornar soluções de mercado;
Faça um orçamento mínimo necessário e compreenda seus custos fixos e variáveis para garantir uma gestão financeira eficiente;
Troque experiências com outras mães empreendedoras — conversar com quem passa pelos mesmos desafios pode ser enriquecedor e motivador;
Peça ajuda sempre que precisar: amigos, familiares ou até serviços temporários, como babás ou coworkings com espaço kids, podem auxiliar na conciliação entre maternidade e trabalho;
Por último e não menos importante, cuide de si mesma. Priorize seu bem-estar físico e mental, peça ajuda quando necessário e nunca se coloque em último lugar.
"O equilíbrio não é sobre fazer tudo, mas sobre fazer o que realmente importa. Reserve momentos para descansar e cuidar de si mesma, pois, quando você está bem, consegue cuidar melhor do seu negócio e da sua família", destaca a especialista.
Fonte: Pequenas Empresas & Grandes Negócios